Resenha: A carteira, de Francesca Giannone

24 04 2025

Jovem sentimental, 1920-22

Ubaldo Oppi (Itália, 1889-1942)

óleo sobre placa

Museo d’Arte Moderna e Contemporanea di Trento e Rovereto

 

 

A carteira, de Francesca Giannone, traduzido para o português por Roberta Sartori [Editora LVM: 2024] , é o primeiro romance da autora, chamada por alguns como uma “segunda Elena Ferrante“.  Esse livro foi vencedor do Prêmio Bancarella de 2023.  A comparação com Ferrante talvez seja uma das razões de seu grande sucesso – mais de 625.000 livros vendidos em 2023.  Só a localização italiana, acompanhando a narrativa sobre uma mulher e sua família, amigos e parentes, no entanto, não é suficiente para transformá-la em uma segunda autora com potencial de ser universalmente aclamada. Falta-lhe a riqueza nos detalhes relevantes, e o desenvolvimento psicológico dos personagens esboçados para que a comparação se justifique.  

Uma história com ingredientes interessantes que se perde, nas quatrocentas e mais páginas: detalhes desimportantes, com laudas facilmente subtraíveis, sobretudo no último terço, sobre a construção da Casa da Mulher.  A sinopse parecia boa:  uma mulher do norte da Itália se casa com um italiano do sul e vai morar com ele na Puglia, onde ele se encarrega de desenvolver uma vinícola, nas terras que herdou.  Anna o acompanha.  Dona de um espírito independente, culta, leitora, acaba trabalhando como carteira da cidade, após concurso, quando quebra as expectativas de todos, familiares e habitantes locais, por trabalhar numa posição até então ocupada por homens. Considerada uma estranha no ninho, por seus hábitos e linguagem de outra região, ela  teria a oportunidade de conhecer e interagir com os habitantes de Lizanello, [Lecce] entregando cartas e telegramas para toda a população.

 

 

 

No entanto, essa troca entre habitantes e Anna não é explorada pela autora, ainda que seja sugerida na sinopse.  O livro se arrasta cobrindo algumas décadas da vida da carteira, enquanto a trama se perde no núcleo familiar de Anna, seu marido Carlo e filho Roberto; na atração que Antonio, irmão de Carlo, tem por Ana, no passado de Carlo, familiares, filhos legítimos ou não, e um ou outro personagem como Giovanna vítima de um relacionamento abusivo com um padre.  Mas se espremermos o conteúdo  temos uma novela televisiva, em que intrigas e amores proibidos são alimento para um longo volume que merecia bom editor, para cortar cenas inúteis, diálogos que não levam a nada e enchem o leitor de  informação espúria para a trama.

Terminei o livro com a sensação de tempo perdido.  É superficial. É adolescente.  Não é livro para leitor maduro.  Francesca Giannone poderia e deveria entregar mais.  Percebi nela algumas características que costumo ver nos escritores de primeira viagem.  Sua obra poderia ser melhorada com a assistência de um bom editor.  Pergunto-me : para que um prólogo?  Em que ele ajudou nessa narrativa?  Outros detalhes de primeiros romances: muitos personagens nomeados que aparecem uma única vez e não participam mais do resto da trama. Uma das primeiras regras de uma boa edição: personagens com nomes devem ser sempre aqueles que o leitor precisa gravar para entender o enredo. Enfim, há espaço para melhorias na escrita.  Mas é preciso que a autora e que seus editores queiram que isso aconteça, e que não se deitem no sucesso da primeira obra, porque pode ser que não se sustente.  Francesca Giannone toca em assuntos queridos na atualidade: emancipação feminina, mulheres trabalhando, votando, mulheres em profissões fora do esperado, mudança em preconceitos sociais. Mas não se aprofunda em nenhum desses aspectos. Tudo não passa de conversa fiada, de um aceno ao espírito da época.

 

 

Francesca Giannone

 

 

Uma palavra sobre a edição brasileira: deveria ter tido mais rigor na revisão.  Aponto aqui alguns problemas que saltaram aos olhos: duas maneiras de escrever o nome Agata ou Agatha.  Ambos aparecem no texto.  Há frases inteiras que não fazem sentido, mostro algumas mas há mais. Imagino serem resultado de uma revisão final pela inteligência artificial que não distingue homônimos  ou que deixa passar a palavra correta na ordem errada.  1) “Ela havia ficara em recuperação.” [169]; “ele cresceu de forma surpreendentemente” [228]; “No final, ele dará há algo para ele também” [350] “A dela mãe a expulsou de casa” [433]. 

Não recomendo.  Preferiria dar uma estrela negativa, mas não posso.  Fica uma estrela pelo esforço da escritora, pela tradução e alguns pontos a menos pela revisão editorial.  Não conheço essa editora.  Não começamos com o pé direito.  Espero que melhorem no futuro.  Não pretendo colocar o Prêmio Bancarella entre aqueles cujos vencedores farão parte da minha lista de futuras leituras.  Ver que esse prêmio existe há setenta e dois anos e que teve como vencedores Ernest Hemingway (1953), Boris Pasternak (1958), Oriana Fallacci (1970); Umberto Eco (1989) entre outros conhecidos nomes da literatura mundial é surpreendente. Não sei o  que houve em 2023. 

 

NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.


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