Voltar ao passado?

6 07 2024

Casario, 1973

Aldo Bonadei (Brasil, 1906-1974)

óleo sobre tela, 54 x 80 cm

 

 

Há um escritor americano, chamado Thomas Wolfe (1900-1938) cujas obras traduzidas no Brasil limitam-se a coleções de contos, ainda que ele tenha sido extremamente produtivo durante sua breve vida.  [Nota: não confundir com Tom Wolfe (1930-2018) também escritor, também americano, mais conhecido no Brasil, principalmente por sua obra, A fogueira das vaidades, 1987.  A letra “h” que os separa faz uma enorme diferença.] Pois, Thomas Wolfe, escreveu muito no início do século vinte e fez bastante sucesso.  Entre as coisas que deixou para posteridade foi a contribuição para a cultura americana da expressão: You can’t go home, again, usada no cotidiano americano, como se fosse uma dessas verdades bíblicas, incontestáveis.  Essa expressão foi o título de um de um dos mais conhecidos livros, que não encontrei traduzido no Brasil.

Na verdade, esse hoje famoso título, foi parte de uma troca da escritora australiana Ella Winter com o próprio Thomas Wolfe, que conseguiu sua permissão para usá-la depois de ler o texto que ela havia lhe mandado.

“Você não sabe que não pode voltar para casa?  — Você não pode voltar para sua família, para sua casa, sua infância… de volta para o jovem com sonhos glória e fama … de volta para os lugares no campo, volta para as velhas maneiras e sistemas que um dia pareceram eternos, mas que se transformam todo tempo — de volta para as escapadas do Tempo e da Memória.”

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“Don’t you know you can’t go home again?  — You can’t go back home to your family, back home to your childhood … back home to a young man’s dreams of glory and of fame … back home to places in the country, back home to the old forms and systems of things which once seemed everlasting, but which are changing all the time – back home to the escapes of Time and Memory.” 

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Essa é uma longa introdução a uma pequena surpresa que tive esta semana e que me lembrou do título do livro de Thomas Wolfe.  Recebi um email de uma pessoa que não vejo há vinte e dois anos, cujo único contato tinha sido provavelmente há quinze anos, por telefone. Trabalhamos juntas, em outra cidade, em outro país.  Conversamos bastante depois que lhe mandei meu telefone respondendo ao seu email com o assunto:  FINALMENTE ENCONTREI VOCÊ.

Como muitas pessoas de sua geração nos Estados Unidos Maggie não está familiarizada com aplicativos como Whatsapp (muito pouco usado nos EUA), não tem conta no Instagram, e usa o FaceBook da companhia para onde trabalha agora. Tudo contribuiu para que o contato entre nós fosse interrompido.  Foi bom conversar com ela.  E me lembrar do nosso tempo. Maggie foi gerente de minha galeria.  Bem relacionada na cidade, era bastante disputada por diversos locais de comércio de luxo por sua alta posição social, envolvimento com causas sociais e participação nos eventos da igreja Anglicana, a igreja das pessoas de maior status no local.  Não trabalhava nos verões porque se mudava para a Nova Inglaterra onde mantinha residência de verão, uma belíssima casa não muito longe de onde Edward Hopper pintou dezenas de paisagens. Trabalhava porque gostava de arte.  Era formada e tinha mestrado Literatura Inglesa, portanto tínhamos algo mais em comum: o amor à leitura.  Como nossos maridos se conheciam, conseguimos também forjar boa amizade fora do trabalho, ainda que com poucos contatos sociais, como é costume nos Estados Unidos entre pessoas com vínculo empregatício.  Na segunda-feira passada, com hora marcada, nos falamos e ao final de quarenta minutos nos despedimos, prometendo  maior frequência de contato.  Lágrimas apareceram dos dois lados das Américas quando desligávamos nossos celulares.

 

 

Capa da 1ª edição, 1940, publicação póstuma.

 

 

 

Permaneci por algum tempo rememorando aqueles dias, anos, eventos sociais, nossas peripécias, e ruas e bairros em que morávamos. Fiz uma viagem pelas minhas recordações.  Havia novidades sobre pessoas que conhecíamos, sobre mudanças no comércio, uma profusão informações tentadoras que tomaram conta de mim, e à maneira dos anos 80  [Back to the Future ou De volta para o futuro] fiz uma viagem no tempo.  Com o dedo no teclado fui passear pela cidade onde morei, pela rua de meu último endereço.  Tomei o caminho de casa à galeria e quase me perdi.  Reconhecia muito pouco. Tudo mudou, principalmente depois da pandemia. Arrisquei procurar pelas galerias de arte que conhecia, pelo comércio que frequentava.  Só um florista ainda em funcionamento!  Fiz mais, procurei no jornal da cidade referências a pessoas que conheci e fiquei de queixo caído porque tenho a impressão de que não os reconheceria se passasse por eles em alguma calçada do mundo.   Meus vizinhos, na rua em que morei, devem ter morrido, suas casas completamente reformadas, jardins irreconhecíveis.  Sei onde ficava minha casa porque neste último endereço, morei quase dezessete anos.  E a igreja próxima ajuda na localização.  As ruas são diferentes, o comércio também, a universidade onde meu marido trabalhava  só mantém o mesmo endereço, seu aspecto está diferente. 

Teria sido melhor deixar o mundo como eu me lembrava.  Porque aquele mundo, aquela cidade em que morei há vinte anos, existe unicamente na minha imaginação.  E não me parece tão amena e gentil como antes. Não, não dá para voltar para casa.  Thomas Wolfe estava correto.  Voltarei a falar com Maggie?  Não sei.  Provavelmente não.  Nosso tempo passou. Nossas realidades não se assemelham.  O que temos em comum são nossas memórias e essas, como sabemos, são falhas.


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