Resenha: As Vitoriosas, Laetitia Colombani

29 07 2023

Leitura de verão

Nancy B. Gramps (EUA, 1952)

óleo sobre tela

 

 

 

No início dos anos 2000, a escritora inglesa Fay Weldon (1931-2023) trouxe para o mundo literário uma interessante discussão: colocação de produto (Product Placement) na obra literária. Fay Weldon estava em bom momento em sua vida. Havia publicado diversos livros cujos enredos eram associados ao feminismo e havia também se projetado no mercado americano, atravessando o Atlântico.  Grande crítica social chegou a ter muito sucesso com o romance Vida e Amores de uma Mulher Demônio, que em 1989,  tornou-se no filme She-Devil, com Meryl Streep e Roseanne Barr.  Convencida, no entanto, de que nunca  receberia prêmios como o Booker, mesmo tendo sido um dos jurados deste prêmio anteriormente, Fay Weldon procurou independência econômica, aceitando, por uma quantia nunca revelada, escrever um romance onde a joalheria italiana Bulgari tivesse lugar de destaque.  Assim nasceu The Bulgari Connection, em 2000 (Conexão Bulgari, Rocco, 2001, no Brasil).  Assim que a imprensa soube do caso surgiu a controvérsia: colocação de produto em obra literária?  Como assim? 

Alguns acharam que Weldon estava poluindo a arte literária e houve aqueles para quem esse parecia ser o novo caminho da literatura e da diminuição de custos para as editoras.   Alguns compararam o sistema ao de séculos atrás, quando escritores tinham o patrocínio do rei, e só se publicava o que o monarca autorizasse, outros acharam que seria uma excelente ferramenta para vendas, porque o leitor teria uma experiência mais íntima com o produto durante a leitura. A moda não pegou, mesmo que este não tenha sido o único livro a ter colocação de produto em seu texto ou enredo.  A companhia de produtos de beleza Clinique, por exemplo é ponto de interesse no livro de Meg Cabot, How to Be Popular (Como ser popular, 2008, Galera); e o escritor inglês William Boyd, cujos livros têm-me entretido muito, aceitou comissão da companhia inglesa de carros de luxo, Land Rover,  para escrever um conto em que este carro fosse presença necessária.  O debate persiste.  Mas a esta altura, por que eu estaria trazendo este assunto à tona na resenha de As Vitoriosas de Laetitia Colombani?

 

 

 

As vitoriosas

 

 

 

O motivo é simples: temos  a história, do surgimento do Exército da Salvação, de maneira didática, gratuita e tediosa, no início do livro. Parece matéria comprada, ou direta de um press release, para alavancar fundos para as boas ações da instituição.  Não fosse isso suficiente, temos por outro lado a história do Palais de Femmes de Paris, uma casa de abrigo para mulheres, mantida pelo Exército da Salvação, e reaberta em 2011.  As aventuras dos personagens em ambos os contextos não importam tanto quanto a elevação em pedestal de ouro dessa organização beneficente.  As personagens envolvidas nas histórias das habitantes do Palais de Femmes, não são exploradas a fundo, fazendo papel exclusivo de pano de fundo para a propaganda institucional.  Fraquíssimo.

Laetitia Colombani usa da mesma estratégia de seu livro anterior, A Trança, também resenhado neste blog, em que duas histórias aparentemente desconexas acabam se entrelaçando.  Mas se A Trança já tinha alguns problemas na costura das histórias, este livro eleva esse problema ao quadrado. 

 

 

 

Temos que ser boas em tudo o tempo todo", diz escritora sucesso na França -  15/03/2021 - UOL Universa

Laetitia Colombani

 

 

Não fosse isso estaríamos bem?  Não.  Discordo também da maneira de narrar da autora.  Colombani não deixa absolutamente nada para o leitor imaginar.  Tudo é dito antes mesmo de ser necessário, como se estivéssemos frente a um texto para aqueles que não conseguem se identificar com os personagens.   Aqui vai um exemplo:

É dominada por uma emoção incontrolável. Diante de Binta, ela cai no choro — ou melhor, desaba. Não são apenas lágrimas, é muito mais do que isso. Nelas há Jérémy, o filho que nunca vão ter, as meias que comprou sem saber por quê. Há o sofrimento de Binta, a profanação ocorrida quando tinha quatro anos, a menininha das balas, Khalidou que ficou na Guiné. Há tudo aquilo e muito mais, a tristeza que ela não consegue mais conter, que não consegue mais esconder.

Será que acompanhando o progresso da personagem já não saberíamos todas as emoções contidas nessas lágrimas?  Será que o leitor não conseguiria dar algo de si para complementar a leitura?  Por que termos cada possibilidade enunciada por nós?  Esta maneira de narrar, que exclui a contribuição emocional do leitor, é muito rasa.  E o mais interessante é que Colombani começa a narrativa desta história mais ou menos se colocando em pé de igualdade com grandes escritoras dos séculos XIX e XX:

“Já se via sentada diante de uma escrivaninha durante o resto da vida, um gato sobre os joelhos, como Colette, Um quarto só seu, como Virginia.”  ou  “Educadas em conventos, casavam-se com homens que não tinham escolhido. “Somos criadas como santas e depois vendidas como éguas”, escrevera George Sand, que recusava em altos brados o hímen que lhe queriam impor. ”   Mencionadas? Colette, Virginia Woolf e George Sand.  É isso mesmo, Colombani?

Li este livro porque foi selecionado em votação democrática por um dos meus grupos de leitura.  Não recomendo.  Use o mesmo tempo, a mesma energia para ler outra obra que vá lhe dar mais ferramentas para lidar com o mundo, conhecer valores, até mesmo se informar sobre o Exército da Salvação ou o Palais des Femmes.  Uso da Wikipedia certamente seria mais interessante.

 

 

NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.

 




Flores para um sábado perfeito!

29 07 2023

Flores

Antônio Hélio Cabral (Brasil, 1948)

óleo sobre tela, 100 x 140 cm

 

 

 

 

Flores

Délio del Pino (Brasil, 1908-1985)

óleo sobre tela, 80 x 60 cm