Moça de Amarelo, 1936
Hilda Campofiorito (Brasil, 1901-1997)
óleo sobre tela,
Museu Nacional de Belas Artes, RJ
“Meio encolhido no seu pijama de pelúcia, com uma manta de lã enrolada no pescoço, era com um certo gosto de tropeiro que oferecia a cara à mordida gelada e úmida do ar do alvorecer. Era bom sentir no côncavo da mão e nos dedos o calor da cuia de chimarrão e mais saboroso ainda chupar a velha bomba que herdara do velho Xisto, reter na boca, meio queimando a língua, o mate escaldante e depois deixar o amargo descer devagarinho, faringe e esôfago abaixo, e ir aquecer-lhe o peito, como um poncho para uso interno. A geada branqueava os telhados. Galos cantavam em quintais próximos e distantes e, como sempre acontecia nessa hora, Tibério pensou nas incontáveis alvoradas de sua vida, na cidade e no campo, e por alguns instantes lhe passaram pela mente as imagens de seu pai, de seus irmãos e de outros amigos mortos que estavam sepultados lá em cima da coxilha e que não podiam mais ver a luz do dia. Essa era a única hora em que às vezes ele pensava na sua própria morte, principalmente agora que tinha entrado na casa dos sessenta.”
Em: Incidente em Antares, Érico Veríssimo, Cia das Letras: 2006, original publicado em 1970. Minha edição Kindle.





