Harry Carter West
Fiz questão de montar a árvore de Natal, mesmo que não haja comemoração alguma de seu aniversário. Para Harry, Natal precisava de árvore. Mesmo quando passamos a data em viagem – Grécia, Alemanha e Espanha -, em nossos aposentos nos hotéis sempre havia alguma decoração natalina, trazida conosco ou comprada no local. Certa vez nos mudamos de endereço nessa época e Harry saiu às pressas, dia 24, para comprar nossa árvore, como é costume nos Estados Unidos, para que o dia 25 contasse com o esplendor merecido. A árvore era um pouco capenga e calva de um lado, mas pusemos num canto da sala e saiu tudo perfeito. Não éramos religiosos, mas crescemos dentro do cristianismo, eu católica, ele presbiteriano, e mantivemos os rituais das principais comemorações cristãs. Seria impensável passar em branco este primeiro Natal sem ele. Estou feliz por ter enfeitado a casa como de costume. Harry está presente, hoje aqui comigo.
Harry C. West, no jardim da casa de seus pais, Washington, NC
O tema das minhas meditações nesses dias tem sido sincronicidade, mão do destino, sorte, coincidência. Porque tudo conspirava para que jamais nos conhecêssemos e para nosso encontro não dar certo desde então. Não tínhamos amigos em comum, não fomos apresentados um ao outro, nos apresentamos. Morávamos em cidades diferentes, em estados diferentes, profissões diferentes. Experiências de vida diversas: eu, nascida, crescida no Rio de Janeiro; ele americano, crescido inicialmente na Carolina do Norte, depois dos quinze anos estabelecido na Pensilvânia, em colégio interno, The Hill School. Em comum: ciências humanas.
Naquela ocasião Harry passava quatro dias no Distrito de Columbia, pesquisando fontes de inspiração para o escritor Nathaniel Hawthorne, na Biblioteca do Congresso (uma das maiores, se não a maior dos EUA). Eu acabara de defender minha tese de mestrado e pensava em fazer o PhD em história da arte. Como estudava na Universidade de Maryland, em College Park, um subúrbio de Washington DC, usava a Biblioteca do Congresso regularmente, a uma pequena viagem de metrô da porta da minha casa.
Minhas manhãs e muitas tardes se passaram no local. Eu estava familiarizada com os pesquisadores regulares, com os quais era comum tomar café ou trocar ideias nas pausas da pesquisa. Portanto, quando Harry entrou no salão Thomas Jefferson, eu sabia que era alguém novo por ali. Pensei tratar-se de algum membro do staff de um senador ou deputado federal, comum por lá, porque estava vestido de maneira mais formal do que pesquisadores: gravata a meio mastro, paletó de tweed e capa London Fog (pois chovia naquela segunda-feira em DC). Além disso, entrando pela porta secundária, ele parou para se localizar, o porte seguro, confiante e calmo, que mais tarde eu viria a descobrir ser típico dos alunos do colégio interno em que ele estudou. Estas escolas preparam o jovem, naquela época só rapazes, não apenas para o sucesso acadêmico, mas também para assumirem seus destinos profissionais e sociais. Linguagem corporal é importante. Harry entrou na biblioteca como se a ela pertencesse, como a comandasse, mesmo sendo aquela sua primeira vez lá.
Harry no escritório na universidade onde ensinou.
Impossível descrever a falta que ele faz. Sua voz, suas ideias, seu toque, os olhos sempre carregados de paixão pela vida, pelos textos. Aprendi muito com ele. Foi uma vida a dois inesperada, incomparavelmente feliz. Hoje é dia de honrá-la com especial alegria e gratidão.
Happy birthday, love.