Mulher lendo no terraço
Blanche Augustine Camus (França, 1884-1968)
óleo sobre tela, 92 x 73 cm
Levei tempo para expressar a respeito de Tudo é rio de Carla Madeira. É um livro considerado “muito bom” por muitas pessoas que conheço. Foi escolhido por um de meus grupos de leitura, leitores que me ajudaram a perceber melhor a obra. Quase desisti no primeiro terço. Mesmo sendo um livro de poucas páginas. Isso não é comum. Não foi o linguajar crasso, como muitos poderiam imaginar. Não foi a desenvoltura sexual de Lucy, a personagem que abre a narrativa. Colocada ali, na abertura, principalmente para o choque inicial. Talvez tenha sido a personalidade dessa prostituta: “Parte da excitação de Lucy morava na perversão.”
Minha surpresa veio mais de dentro, da realização de que para Carla Madeira, e talvez ela esteja correta, a vida emocional do brasileiro não mudou. Continua repleta de emoções cruas, sem polimento civilizatório. Continua repleta de violência física e sobretudo emocional. São pessoas semelhantes às que vão a programas de televisão para lavar roupa suja diante de uma plateia, que não conseguem resolver problemas familiares, amorosos, com conversa nem religião.
Ficou comigo uma sensação de déjà vu. O brasileiro não mudou, desde a primeira metade do século XX para cá? Este mundo retratado em Tudo é rio, tem gosto de antigo, de problemas já resolvidos na cultura ocidental, até mesmo no Brasil do interior. Violência, crueldade, ciúmes e sobretudo vingança comem a alma, e demonstram um grau de ignorância coletiva que parece demasiado. Emoções fortes entre pessoas casadas que mal se conhecem. Rancor. Ações extremas para sedimentar a vingança e pouco, muito pouco perdão.
Os temas mais pesados em Tudo é Rio não são os de sexo. Os mais pesados são a crueldade, a vingança, o ciúme em doses extremas. Todos, tanto as supostas vitimas quanto os que agem contra elas, todos são desequilibrados emocionalmente. E isso me afeta negativamente. Não sou pessoa de extremismos. Prefiro a narrativa reflexiva, subentendida, moderada, que me deixe descobrir a complexidade das emoções vagarosamente sem tê-las escancaradas à moda de novelas mexicanas. Mas entendo ser uma preferência pessoal.
O enredo é simples. Estamos numa cidade do interior. Uma jovem, quase adulta, endiabrada e exibicionista, “Não ia ter graça nenhuma reinar no deserto sem ninguém para testemunhar seus calores e tempestades.” decide fazer da prostituição sua maneira de viver. Ama ter poder sobre os homens. Gosta também de ferir mulheres através de seus homens, maridos, companheiros. Não parece querer ninguém feliz à sua volta. Talvez todos tenham que pagar que rejeição inicial que sentiu quando criança e adolescente. Sexo, o poder sexual, é onde Lucy se deleita. Não tem escrúpulos. E não consegue viver em paz até que tenha conquistado qualquer homem que lhe seja arredio. Assim, consegue criar problemas. Mas, precisamos prestar atenção ao comportamento de todas as outras mulheres da história. Elas também não são santinhas, apesar das aparências. Elas também conseguem manter vivo o ódio e se deleitar na vingança. Todos nessa trama são possuídos por suas emoções.
No final, não há pessoas íntegras nessa história. Todas as mulheres vivem dominadas por sentimentos, até os mais perturbadores. E agem de acordo. Os homens são violentos também, têm ciúmes, gostam de uma vingança, mas no final das contas, ainda sofrem um pouco mais, porque sofrem muito nas mãos das mulheres, já que não têm poder de se controlarem quando são seduzidos.
Carla Madeira
Talvez tenha sido esta percepção de falta de controle emocional que tenha me dado a sensação de “dejà vu“, um gosto de pão dormido, o desconforto de testemunhar uma sociedade tão crua, tão sem civilidade. A escrita é boa e flui. Há algumas frases interessantes nessa narrativa: “É preciso uma coincidência qualquer para que o amor se instale. Existe um certo milagre nos encontros. Não é tolo dizer que o amor é sagrado.” ou “quem é previsível demais oferece o pescoço ao cabresto.“, e muitas outras, mas no todo, elas não valem a companhia das horas passadas com este texto. Não recomendo.
NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.








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