Leituras em 2022: Dôra, Doralina, de Rachel de Queiroz, resenha

8 01 2022

Prisma, 1977

Brian James Dunlop. (Australia, 1938-2009)

aquarela, 30 x 27 cm

Ao terminar Dôra, Doralina, de Rachel de Queiroz, eu me pergunto o motivo dela não ser mencionada entre os grandes da literatura brasileira, no mesmo altar de Machado, Graciliano e Guimarães Rosa, Clarice. Dela li três livros: O Quinze, Memorial de Maria Moura e agora este, publicado em 1975. Rachel de Queiroz não deixa a desejar quando comparada com os grandes nomes da nossa literatura. E não listá-la entre os maiores é injustiça e um desserviço à tão maltratada cultura brasileira.

Dôra, Doralina conta mais do que a história de vida de Maria das Dores, mulher herdeira de uma fazenda no interior do Ceará, completamente dominada pela mãe, a quem chamava Senhora e que depois de viúva, foge deste lugar, encontra abrigo emocional como membro de um grupo de teatro mambembe, com eles viaja ao Rio de Janeiro, no período da ditadura Vargas e da Segunda Guerra Mundial. 

Na capital do país amasia-se com um comandante que conheceu na viagem pelo Rio São Francisco a caminho do sul.  Com ele, perdidamente apaixonada, vive em altos e baixos, tensa com gênio violento do companheiro e por seus ciúmes. Eventualmente se vê envolvida, a contragosto, na contravenção. Mas o flerte com a vida de segredos e transgressões não lhe era desconhecido, já deixara os rincões cearenses com tralha semelhante.

Narrativa rica em assuntos controversos, que cobre com vocabulário exemplar e de fácil compreensão, relata não só a descoberta do amor para Dôra, como também, por causa de suas limitadas experiências fora do local onde nasceu, seu próprio acordar para o mundo e para si mesma. E conselhos não lhe servem para nada, como diz: “Gente nova não adivinha nem quer adivinhar certas coisas; e mesmo quando tem um aviso, dez avisos, não acredita.”

Rachel de Queiroz

Central na trama estão as relações familiares, e a ausência delas;  amizades e a complexidade das emoções humanas. Há traição, abuso, arrogância, ciúmes pontuados esparsamente por  lealdade e honestidade.  É uma obra de realismo físico e emocional, refinada pela palavra certa, ritmo preciso e relato direto,  sem bordados. 

Recomendo a leitura.  A obra de Rachel de Queiroz, a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, deve fazer parte da lista de leitura de qualquer brasileiro curioso sobre a rica herança literária do país. Nota 10.

 

 

NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.


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6 responses

9 01 2022
Avatar de Regina Porto Valença Regina Porto Valença

Concordo. Nunca entendi esse “esquecimento” com Raquel de Queiroz. Pioneira e talentosa não tem o aplauso que merece. Conheci quando ainda não sabia ler. Ela escrevia na Revista O Cruzeiro. Tinha uma coluna na última página da revista que era semanal e muito vendida na época. Meus pais não perdiam. Como você, li O Quinze e Memorial de Maria Moura. Comecei há pouco Dôra Doralina.

9 01 2022
Avatar de peregrinacultural peregrinacultural

Regina, uma pessoa acabou de me mandar uma mensagem dizendo que ela foi “cancelada” porque apoiou o governo militar em 1964, ou seja apoiou a ditadura. Mas ela também foi no início da carreira, membro do Partido Comunista que apoia todo tipo de ditadura, e disso eles não falam. A verdade é que só a obra deve ser julgada, senão, eu não poderia apreciar por exemplo a obra de Picasso que era um grandessíssimo chauvinista!

9 01 2022
Avatar de Regina Regina

É, apoiou a ditadura. Tinha amizade pessoal com Castelo Branco, isso era público. Foi do PC como Jorge Amado e Graciliano Ramos. Realmente no Brasil parece lei fazer diferença entre ditadura do bem e ditadura do mal. Uma lástima.

10 01 2022
Avatar de romero romero

Academia Brasileira de letras de Merva Pereira…

11 07 2024
Avatar de luciana braga luciana braga

acabei de ler Dôra, Doralina por sua recomendação aqui e adorei. Ja havia lido O quinze a mil anos atrás e nem lembrava. Concordo com voce que Raquel de Queiroz nao deixa nada a desejar se comparada com os grandes nomes da nossa literatura.

 O livro é estupendo com narrativa de quem sabe escrever e o vocabulário é maravilhoso, até anotei algumas palavras para relembrar. Nota 10 mesmo!

12 07 2024
Avatar de peregrinacultural peregrinacultural

Fico tão feliz de saber que às vezes acerto em cheio! Muito obrigada!

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