Prisma, 1977
Brian James Dunlop. (Australia, 1938-2009)
aquarela, 30 x 27 cm
Ao terminar Dôra, Doralina, de Rachel de Queiroz, eu me pergunto o motivo dela não ser mencionada entre os grandes da literatura brasileira, no mesmo altar de Machado, Graciliano e Guimarães Rosa, Clarice. Dela li três livros: O Quinze, Memorial de Maria Moura e agora este, publicado em 1975. Rachel de Queiroz não deixa a desejar quando comparada com os grandes nomes da nossa literatura. E não listá-la entre os maiores é injustiça e um desserviço à tão maltratada cultura brasileira.
Dôra, Doralina conta mais do que a história de vida de Maria das Dores, mulher herdeira de uma fazenda no interior do Ceará, completamente dominada pela mãe, a quem chamava Senhora e que depois de viúva, foge deste lugar, encontra abrigo emocional como membro de um grupo de teatro mambembe, com eles viaja ao Rio de Janeiro, no período da ditadura Vargas e da Segunda Guerra Mundial.
Na capital do país amasia-se com um comandante que conheceu na viagem pelo Rio São Francisco a caminho do sul. Com ele, perdidamente apaixonada, vive em altos e baixos, tensa com gênio violento do companheiro e por seus ciúmes. Eventualmente se vê envolvida, a contragosto, na contravenção. Mas o flerte com a vida de segredos e transgressões não lhe era desconhecido, já deixara os rincões cearenses com tralha semelhante.
Narrativa rica em assuntos controversos, que cobre com vocabulário exemplar e de fácil compreensão, relata não só a descoberta do amor para Dôra, como também, por causa de suas limitadas experiências fora do local onde nasceu, seu próprio acordar para o mundo e para si mesma. E conselhos não lhe servem para nada, como diz: “Gente nova não adivinha nem quer adivinhar certas coisas; e mesmo quando tem um aviso, dez avisos, não acredita.”
Central na trama estão as relações familiares, e a ausência delas; amizades e a complexidade das emoções humanas. Há traição, abuso, arrogância, ciúmes pontuados esparsamente por lealdade e honestidade. É uma obra de realismo físico e emocional, refinada pela palavra certa, ritmo preciso e relato direto, sem bordados.
Recomendo a leitura. A obra de Rachel de Queiroz, a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, deve fazer parte da lista de leitura de qualquer brasileiro curioso sobre a rica herança literária do país. Nota 10.
NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.








Concordo. Nunca entendi esse “esquecimento” com Raquel de Queiroz. Pioneira e talentosa não tem o aplauso que merece. Conheci quando ainda não sabia ler. Ela escrevia na Revista O Cruzeiro. Tinha uma coluna na última página da revista que era semanal e muito vendida na época. Meus pais não perdiam. Como você, li O Quinze e Memorial de Maria Moura. Comecei há pouco Dôra Doralina.
Regina, uma pessoa acabou de me mandar uma mensagem dizendo que ela foi “cancelada” porque apoiou o governo militar em 1964, ou seja apoiou a ditadura. Mas ela também foi no início da carreira, membro do Partido Comunista que apoia todo tipo de ditadura, e disso eles não falam. A verdade é que só a obra deve ser julgada, senão, eu não poderia apreciar por exemplo a obra de Picasso que era um grandessíssimo chauvinista!
É, apoiou a ditadura. Tinha amizade pessoal com Castelo Branco, isso era público. Foi do PC como Jorge Amado e Graciliano Ramos. Realmente no Brasil parece lei fazer diferença entre ditadura do bem e ditadura do mal. Uma lástima.
Academia Brasileira de letras de Merva Pereira…
acabei de ler Dôra, Doralina por sua recomendação aqui e adorei. Ja havia lido O quinze a mil anos atrás e nem lembrava. Concordo com voce que Raquel de Queiroz nao deixa nada a desejar se comparada com os grandes nomes da nossa literatura.
O livro é estupendo com narrativa de quem sabe escrever e o vocabulário é maravilhoso, até anotei algumas palavras para relembrar. Nota 10 mesmo!
Fico tão feliz de saber que às vezes acerto em cheio! Muito obrigada!