Mãe, poema de Stella Leonardos

22 12 2020

Maternidade

Aurélio d’Alincourt (Brasil, 1919 – 1990)

óleo sobre placa, 41x 33 cm

 

Mãe

 

Stella Leonardos

 

Tudo que há na fonte pura

Vem da mina de onde brota

E do fundo da espessura

Nasce a sombra de uma grota.

Todo verdor de uma planta

Deve à terra seu verdor.

Todo pássaro que canta

Herdou raça de cantor.

Qualquer gesto bom que eu tenha,

Toda vez que eu ficar triste,

Todo sonho que me venha,

Tudo que em mim houve e existe

Será teu, Mãe. Porque és água,

Pedra e chão, rama e raiz

De meu mundo: quer na mágoa

Quer no momento feliz.

 

Em: Pedra no Lago, Stella Leonardos, Rio de Janeiro, Livraria São José:1956, p. 45

 





Ao Pé da Letra escolhe as melhores leituras do ano

21 12 2020

A votação das melhores leituras do ano do Grupo  de Leitura Ao Pé da Letra  aconteceu ontem na última reunião, neste ano em que desde março os encontros são virtuais, e continuarão assim indefinidamente.  Durante a pandemia as discussões têm sido mais ordeiras, ninguém pode falar fora de ordem, um tanto menos detalhadas, para não demorar muito, mas laços de amizade se solidificaram porque o grupo se reuniu virtualmente mais vezes para conversar, fora dos encontros sobre livros, para ajudar a passar momentos de ansiedade e ajuste às circunstância da pandemia, no Rio de Janeiro.  Foram doze livros lidos, e este foi o resultado da votação:

O melhor do ano:

Nada ortodoxa, Deborah Feldman

Em segundo lugar:

Me chame pelo seu nome, André Aciman

Em terceiro lugar:

4321, Paul Auster

Outros livros lidos:

Vasto mundo, Maria Valéria Rezende

O jogo das contas de vidro, Herman Hesse

Nenhum olhar, José Luís Peixoto

Uma dor tão doce, David Nicholls

Caçando carneiros, Haruki Murakami

Um lugar bem longe daqui, Delia Owens

A caderneta de endereços vermelha, Sofia Lundberg

 A casa holandesa, Ann Patchett

Ninguém precisa acreditar em mim, Juan Pablo Villalobos





Em casa: Herbert James Gunn

20 12 2020

Pauline no vestido amarelo, 1944

Herbert James Gunn (GB, 1893-1964)

óleo sobre tela

Harris Museum & Art Gallery, Preston





Uma vida entre amigos

19 12 2020

Natureza morta: livros, maçãs, janela

Dmitri Annenkov (Rússia, 1965)

óleo sobre tela

Aos setenta e cinco anos Maria Albertina Anachoreta Amazonas não hesitou aceitar o convite para participar do grupo de leituras Papalivros.  Em dezessete anos esteve ausente cinco vezes, mas leu cada um e todos os livros sugeridos. Participou ativamente das discussões com entusiasmo, ouvindo opiniões diversas e defendendo a visão do que lia. Entrou no Papalivros em 2003, membro fundador, e dividiu conosco sua experiência, contando, quando era apropriado, histórias de alunos que teve numa vida dedicada ao magistério.  Dona de repertório de piadas variado, sempre nos presenteou com momentos de riso solto e alegria, mostrando àqueles que a conheciam o prazer de estar viva e gratidão pelo que lhe coube em vida. Dona de prodigiosa memória, Albertina nos deliciou com vinhetas de sua época de jovem moradora na Tijuca, das vesperais dançantes do Tijuca Tênis Club, da paixão à primeira vista por seu marido, das idas aos cinemas da Praça Saens Peña, dos dias de faculdade no Instituto Lafayette.

Neste mês, no entanto, aos noventa e dois anos de idade, Albertina nos deixou.  Desde o início da reclusão social ela sofreu com a falta dos encontros com amigas; pela abstenção das idas ao cinema, um dos passatempos favoritos; com a ausência dos chazinhos à tarde nas confeitarias do Flamengo, bairro onde morou por muitos anos.  Gregária e  muito querida, padeceu com a solidão que lhe foi imposta.  Ficou triste.  Não teve interesse de participar dos encontros virtuais.  Se para nós eles já parecem insatisfatórios, como esperar que suprissem a necessidade de socialização de uma senhora sem domínio da internet? Até que o corpo cansou. Foi-se.  Ficamos nós, dezenove companheiras de leitura,  de conversas, de telefonemas, de idas ao cinema ou ao chá da tarde, companheiras de bons momentos e das preocupações gerais; ficamos nós, de repente, sentindo um vazio imenso que mesmo assim mal reflete o espaço de importância que Albertina teve em nossas vidas. Ficamos com  imensas saudades, parecendo roubadas, trapaceadas, pelas circunstâncias, pela  pandemia, pelo desenrolar inesperado de eventos até este ano impensáveis; enganadas e traídas por não podermos mais desfrutar de sua alegria e entusiasmo.  Adeus Albertina, vá em paz.

Deixa o marido, Mário, dois filhos e dois netos.

Albertina Amazonas (1928-2020) com o escritor e seu ex-aluno, Francisco Azevedo, num dos encontros do Papalivros.





Rio de Janeiro, um parque à beira-mar

18 12 2020

Casario

Franz Josef Widmar (Austria/Brasil, 1915-1995),

óleo sobre eucatex, 60 x 50 cm





Imagem de leitura: Emmanuel Garant

17 12 2020

Lembrança do campo, 2004

Emmanuel Garant (Canadá 1953)

óleo sobre tela, 24 x 36 cm





Hoje é dia de feira: frutas e legumes frescos!

16 12 2020

Uvas e abóbora,1998

Silvana S. Assad Silas (Brasil, 1922)

óleo sobre tela, 50 x 60 cm





Recordações carnavalescas, Marques Rebêlo

15 12 2020

 

 

 

cartaz_NJ_0416Carnaval

Nelson Jungbluth (Brasil, 1921 – 2008)

acrílica sobre tela

 

“1914. A grande ambição carnavalesca era usar lança-perfume. Havia tubos para crianças, finos como dedos. Bisnagava-se até cachorro!

Na terça-feira gorda, o chão da Avenida tinha um palmo de confetes, os préstitos eram o delírio do ouropel — clarins, marchas triunfais, fogos-de-bengala, caracolantes ginetes abrindo os cortejos — gato, baeta, carapicu! — bamboleantes sóis, planetas, constelações, Vulcano, Júpiter, Netuno, mitológicos deuses paralisados em gestos de sarrafo e papelão, giratórias esferas rutilantes que se abriam em gomos para desvendar, por instantes deslumbrados, deidades semi-nuas, atirando beijos, para a multidão comprimida, com a ponta dos dedos inatingíveis.

Saímos de tardinha, providos de farnel — sanduíches, pastéis, coxinhas de galinha  — levávamos horas no bonde se arrastando aos arrancos, íamos postar-nos numa esquina propícia, sobre caixotes, para esperar o desfile de proverbial atraso.

Mas se a chama foliona se extinguia na cidade, entre missas, sinos e beatas, na manhã de quarta-feira, prolongava-se em nossa casa por muitos dias além com restos de serpentinas pendentes dos gradis, saldos de confetes tapizando sala de jantar, trono, capitel, concha ou nenúfar, donde Madalena reclinada, soberana, envolta em rotos filós de antigos cortinados, com as faces tingidas por carmim, os cabelos coroados por um desperdício de fitas, atirava em gestos longos cachoeiras de beijos para uma suposta multitude de súditos e adoradores. E a mim, dormido ou acordado, me perseguia incessante, priapística, a luxuriosa visão daquelas deidades apoteóticas, floração de um horto inacessível, habitantes olímpicas, deusas! deusas! pois como poder entrosá-las na fauna feminil que eu conhecia, mesmo a esterlina mulher de doutor Vítor, que era estrangeira e fumava?”

 

Em: O trapicheiro, Marques Rebelo, 1º volume de O Espelho Partido, São Paulo, Martins: 1959, 1ª edição, numerada,  pp. 217-218





A vida nos livros, José Jorge Letria

14 12 2020

Retrato de Winifred Robers, 1913

Eleanor Fortescue Brickdale (GB, 1871-1945)

òleo sobre tela

 

A vida nos livros

 

José Jorge Letria

 

Nem dez vidas me bastariam, eu sei,

para ler os livros que fui arrecadando

e que me desafiam para que

me perca neles como um peregrino

nas rotas de um mitigado desespero.

Sou eu que pertenço aos livros

e não o contrário, já o disse umas tantas vezes,

pois o que eles vão entesourando

é a pequenez do tempo que me resta

para os ler e neles me encontrar.

Os livros falam de vidas e de guerras

e eu só falo do que os livros contam,

esquecido que ando do que vivi

e bem podia e devia contar-vos.

São os livros que me acenam,

apontando-me para os mostradores

dos seus relógios imóveis e opacos,

assim como quem diz: por mais que vivas,

por mais que faças, tu partirás

e nós, bem ou mal, havemos de ficar,

porque não nos cansamos de viver

a ficção de que são feitas estas vidas.

 

Em: Cintilações da Sombra 2: antologia poética, coordenação Victor Oliveira Mateus, Fafe, Portugal, Labirinto e Núcleo de Artes e Letras de Fafe: s.d., p. 50





Em casa: Burton Silverman

13 12 2020

Dependurada

Burton Silverman (EUA, 1928)

óleo sobre tela, 116 x 81 cm

Coleção Particular, Carolina do Norte