Uma vida entre amigos

19 12 2020

Natureza morta: livros, maçãs, janela

Dmitri Annenkov (Rússia, 1965)

óleo sobre tela

Aos setenta e cinco anos Maria Albertina Anachoreta Amazonas não hesitou aceitar o convite para participar do grupo de leituras Papalivros.  Em dezessete anos esteve ausente cinco vezes, mas leu cada um e todos os livros sugeridos. Participou ativamente das discussões com entusiasmo, ouvindo opiniões diversas e defendendo a visão do que lia. Entrou no Papalivros em 2003, membro fundador, e dividiu conosco sua experiência, contando, quando era apropriado, histórias de alunos que teve numa vida dedicada ao magistério.  Dona de repertório de piadas variado, sempre nos presenteou com momentos de riso solto e alegria, mostrando àqueles que a conheciam o prazer de estar viva e gratidão pelo que lhe coube em vida. Dona de prodigiosa memória, Albertina nos deliciou com vinhetas de sua época de jovem moradora na Tijuca, das vesperais dançantes do Tijuca Tênis Club, da paixão à primeira vista por seu marido, das idas aos cinemas da Praça Saens Peña, dos dias de faculdade no Instituto Lafayette.

Neste mês, no entanto, aos noventa e dois anos de idade, Albertina nos deixou.  Desde o início da reclusão social ela sofreu com a falta dos encontros com amigas; pela abstenção das idas ao cinema, um dos passatempos favoritos; com a ausência dos chazinhos à tarde nas confeitarias do Flamengo, bairro onde morou por muitos anos.  Gregária e  muito querida, padeceu com a solidão que lhe foi imposta.  Ficou triste.  Não teve interesse de participar dos encontros virtuais.  Se para nós eles já parecem insatisfatórios, como esperar que suprissem a necessidade de socialização de uma senhora sem domínio da internet? Até que o corpo cansou. Foi-se.  Ficamos nós, dezenove companheiras de leitura,  de conversas, de telefonemas, de idas ao cinema ou ao chá da tarde, companheiras de bons momentos e das preocupações gerais; ficamos nós, de repente, sentindo um vazio imenso que mesmo assim mal reflete o espaço de importância que Albertina teve em nossas vidas. Ficamos com  imensas saudades, parecendo roubadas, trapaceadas, pelas circunstâncias, pela  pandemia, pelo desenrolar inesperado de eventos até este ano impensáveis; enganadas e traídas por não podermos mais desfrutar de sua alegria e entusiasmo.  Adeus Albertina, vá em paz.

Deixa o marido, Mário, dois filhos e dois netos.

Albertina Amazonas (1928-2020) com o escritor e seu ex-aluno, Francisco Azevedo, num dos encontros do Papalivros.