Moça lendo
Adam Clague ( EUA, contemporâneo)
óleo sobre tela, 59 x 30 cm
Alguns amigos perguntaram porque dei três estrelas de cinco para A vida pela frente, de Émile Ajar, tradução de André Telles, originalmente publicado em 1975, e ganhador do Prix Goncourt. A surpresa vem pelas muitas de resenhas superlativas desta obra. Há também um grande trabalho de marketing, desde seu lançamento em 2019. Aqui no Rio de Janeiro, a maioria das livrarias físicas tem este livro empilhado na primeira bancada, e compras via internet sempre trazem este livro como opção para suas compras, na primeira página.
Há uma incompatibilidade de gênios entre a obra e a leitora. A vida pela frente é sentimental, idealista e parece acreditar num mundo muito mais perfeito do que imagino possível. Parece estranho dizer isso quando se trata da história de um menino árabe, muito pobre, criado por uma cafetina judia, num bairro de prostituição em Paris e trabalhar temas da eutanásia ao aborto, exploração dos seres humanos, discriminação, injustiça social, violência. Incongruente, você poderá achar. Mas não é.

Somos apresentados a esse mundo através de um menino que talvez tenha dez a onze anos, que não sabe ao certo quando nasceu. A voz é de espanto, delicada e tem a intenção de nos seduzir por sua inocência. Infelizmente para a narrativa logo no primeiro capítulo ele pergunta: “– Seu Hamil, é possível viver sem amor?” Congelei. Estava frente à chave de abertura de mundo paralelo. Entrava num texto próprio para um filme de Walt Disney, com a necessidade de explorar escandalosamente meus mais finos sentimentos. Já sabia estar na companhia de um menino carente e agora ele iria me ensinar as coisas importantes da vida. Não, não faz sentido. Não me agrada ser sensibilizada dessa maneira, manipulada, só faltava ouvir os violinos ao fundo tocando uma canção suave.
Mas continuei a leitura. Dois de meus grupos de leitura haviam independentemente escolhido este livro para discussão. Eu tinha que chegar ao fim. O que veio foi previsível. Um texto para nos mostrar valores essenciais para a humanidade. Romance de formação? Não vejo assim. Romance com a intenção de formar, moralizar o leitor. Já saí da escola há tempos, minha formação já está sedimentada. Não preciso disso.
Émile Ajar, pseudônimo de Romain Gary
Não gosto de histórias moralizantes. Histórias que querem abertamente me fazer engolir valores, ensinamentos, frases bonitas, nada mais que revestidos lugares comuns, feitos para sensibilizar o leitor às platitudes insensatamente repetidas na modernidade como se fossem profundas conclusões sobre o ser humano: a necessidade de amarmos uns aos outros, a sobrevivência pela solidariedade; necessária coragem para a vida no âmbito marginalizado. Sinto muito. Isso não é profundidade de texto. Mostre-me. Não me guie.
Textos como este lembram-me do Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry, que não passam de uma visão romântica do comportamento que devemos ter com os outros, conosco mesmo, mas a nível superficial. São bonitinhos. Pretendem profundidade. Pretendem posições filosóficas. Pretendem enunciar verdades, “para um mundo moderno que perdeu seus valores”. Não acho isso. Não tenho essa visão. É um livro pretensioso. Não é para mim. Há muito passei da fase de achar que frases bonitas refletem profundidade.
Quanto mais escrevo, mais sinto vontade de diminuir o número de estrelas que dei. Não recomendo.
NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.





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