Rio de Janeiro comemorando 450 anos!

21 08 2015

 

 

MAURO BANDEIRA DE MELLO (1960). Cristo Redentor Visto da Rua Pires de Almeida no Cosme Velho,ost, 60 X 60. Assinado no c.i.d. e no verso (2009).Cristo Redentor visto da rua Pires de Almeida, no Cosme Velho, 2009

Mauro Bandeira de Mello (Brasil, 1960)

óleo sobre tela, 6o x 60 cm





Tradução literária desleixada: “Antes da festa” de Saša Stanišić

21 08 2015

 

 

Marie Louise Catherine Breslau, (Alemanha 1856-1927) Chá das cinco, 1883, Museu de Arte de BernaContra luz, 1888

Marie Louise Catherine Breslau (Alemanha, 1856-1927)

óleo sobre tela

Museu de Arte de Berna

 

 

 

A língua alemã não é uma língua exótica.  Noventa e cinco milhões de pessoas no mundo têm o alemão como língua materna. São pessoas letradas e escolarizadas. Além disso, o alemão é lido e compreendido por outras pessoas, muitas delas nas humanidades e nas ciências, que precisam usá-la profissionalmente como segunda língua.  É uma língua em que grandes escritores se revelaram: Goethe, Schiller, Hesse, Grimm, Günter Grass, Rilke, entre outros. Há centenas de dicionários em alemão, sobre o alemão, do alemão para outras línguas. Portanto, traduzir um romance ou um conto, um ensaio filosófico, deveria apresentar simplesmente, ou somente, os problemas normais de uma tradução: uma ou outra dificuldade de se achar equivalência de uma expressão típica, de algum conceito alheio ao leitor em português.  Isso não aconteceu com o romance que escolhi para leitura nesta semana.

Estou pasma com a má qualidade da leitura por causa de problemas  na tradução de Marcelo Backes do livro de Saša Stanišić Antes da Festa.  O tradutor cometeu erros crassos de português como a palavra acento usada no lugar de assento.

Agora faz exatamente um ano, no dia anterior à última Festa, que Ulli arrumou sua Garagem, botou um punhado de acentos, cinco mesas e um aquecedor, pendurou uma cortina de tule vermelho e amarelo diante da única janela, pregando na parede…” [p.18]

Note-se: mesmo que fossem assentos, não se pode usar a expressão um punhado.  Punhado é o que cabe em um punho.  [ “…botou, alguns assentos, cinco mesas…”] seria o mais correto.

“O povoado em cadeiras. A ordem dos acentos é um tema explosivo. Quem irá ficar com a mesa de bar na parte da frente, junto à figueira?” [p. 28]

Além dessas belezas acima, o tradutor optou por usar um texto em português quase ao pé da letra do que está em alemão. Ou seja subjugou o entendimento em português para preservar a fidelidade às expressões, à ordem de palavras, ou a modos de dizer que não fazem sentido em português. Temos, assim, frases como:

“Com o sistema de climatização de hoje em dia, até a lua seria possível.” [SIC][p. 37]

“O povoado reza diariamente por um mero mais ou menos.” [SIC] [p.31].

“Certa vez, os que estavam procurando cogumelos.” [SIC] [p.41]

 

Ou problemas com um parágrafo inteiro, notem que o itálico é meu:

“O tenente-coronel Schramm acompanhou os coletores de cogumelos até o parâmetro extremo.[SIC] [?] Numerosos eram os cogumelos ao lado do caminho. [SIC] [Porque não usar a forma direta?  “Eram numerosos os cogumelos ao longo do caminho?”] Mas aquelas pessoas não sabiam mais se podiam ou não colhê-los. De modo que Schramm tomou a iniciativa e botou um cogumelo bem suculento no cesto da menina. E depois foi obrigado a ver que nem era um boleto. [SIC] [?] A mãe voltou a tirá-lo do cesto sem dizer palavra.” [p.45]

Erros de grafia abundam:

“No verão, a morte anda não era uma ideia, no verão o senhor Schramm queria tentar a vida mais uma vez, talvez se apaixonar.” [p.110]

 

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Mais tarde somos agraciados com um português com grafia excepcional. A intenção é dar ao texto um cunho de antigo, de ter sido escrito no século XVI, pois o capítulo começa “No ano da graça de 1587…”. Mas o tiro saiu pela culatra e o maneirismo da letra ‘l’ dobrada, das palavras um começarem com ‘h’ , não surtiu o efeito desejado pois a essa altura já são tantos os problemas com a leitura, que esse detalhe se torna uma distração a mais.

“Os homens se junctaram em roda. Parecia até que tentavam esconder o leitão. O mandachuva dividiu o ar ao meio movendo as mãos à esquerda e à direita — e já os homens abriram hum buraco no centro.” [p. 70]

Enfim, chegada à página 110, desisti da leitura.  É muito pouco caso com o leitor. Deixei uma queixa no site da editora, mas eles não se dignaram a responder.  Não quero colocar a culpa exclusivamente no tradutor, ainda que 90% da responsabilidade seja dele.  Há duas pessoas mencionadas como responsáveis pela revisão: Rafael Alverne e Thais Carlo.  Não vejo sinais do trabalho deles.  Talvez estivessem de férias, ou pior, confiaram em programas de computação para a revisão. Esses programas não percebem erros entre assento e acento, ou seja não sabem as diferenças entre palavras homófonas.  Fato é que ninguém responsável por esta publicação leu o livro.  Uma vergonha.

A Editora Foz perde sua credibilidade porque publica um livro ilegível. O autor alemão não entenderá a razão de sua obra não ter sucesso no Brasil, quando é sucesso em outros cantos do mundo.  Os leitores que mantêm editora, autor, tradutor e revisores trabalhando, pois compram o livro, não podem fazer nada além de reclamar, ou será que deveríamos ir ao PROCON?  Dá vontade.