Maurice Prendergast (EUA, 1858-1924)
óleo sobre tela, 51 x 62 cm
William Benton Museum of Art
Ando com a doença do século XXI: pouca paciência para histórias com detalhes intermináveis. Foi o que pensei quando cheguei à pagina 286 das 520 de Toda luz que não podemos ver. Tive a impressão de estar às voltas com uma narrativa dos oitocentos, da família de Dickens, Dumas, Scott ou Verne, que aliás é mencionado com frequência pelo autor. Não estivesse esse livro já separado em cenas para filmagem, com direito a flashbacks em diversas datas; não fosse menos direcionado ao cinema, onde certamente fará sucesso com belos e promissores atores adolescentes; tivesse ele uma linguagem mais consistente, ao invés da língua padrão semeada por sentenças com a função de torná-lo mais literário, esse livro teria no mínimo metade das páginas, metade do peso, e seria ainda mais interessante de ser lido.
Não posso negar que a história prendeu a minha atenção. Li até o final e isso já é de grande valia. Sem dúvida, minha curiosidade foi despertada. As divisões em pequeníssimos capítulos que já antecipam as cenas para um futuro cinematográfico, ajudaram. Mas é de estranhar que a trama central, a noção de conflito, de um problema a ser resolvido, não se desenvolva antes que se chegue à segunda metade da obra.
A história se passa durante a Segunda Guerra Mundial. É protagonizada pelos adolescentes: Marie-Laure e Werner, ela francesa, ele alemão, que só se encontram no final da narrativa, ainda que o leitor tenha tido todas as deixas de que esse encontro não só será inevitável mas o ápice da trama delineada. Rica em artimanhas e ardis, de um diamante gigante com sósias de vidro a mensagens secretas passadas no miolo de pães, à imitação dos biscoitos da sorte chineses, Toda luz que não podemos ver nos mostra também práticas e caprichos do treinamento de jovens no nazismo. Aliás, é justamente o tratamento do personagem Werner — entender seu desejo e decisão de ser escolhido para o treinamento nazista, suas dúvidas e sua decisão de não ver o que é óbvio — uma das diferenças que distingue esse livro de outros sobre o mesmo período. Tanto Werner quanto Marie-Laure são extraordinários seres humanos. São heróis. São maiores que a vida, sofrem com dignidade e tenacidade. E assim preenchem a necessidade tipicamente americana de “se ver a luz que não podemos ver”, de superar obstáculos apesar das circunstâncias. E é justamente por preencher essa necessidade cultural de fechamento, de conclusão, que o livro ainda se torna um pouco mais irritante: todos os personagens são mostrados um a um, em interminável sequência, com seus respectivos finais. Amarrar essas pontas era desnecessário, é exagero.
Anthony Doerr
Apesar de todas as negativas acima, este não é um mau romance. Para aqueles que desejam numa leitura uma forma de entretenimento, esta será uma boa escolha. Mas está longe de ser o que eu esperaria de um vencedor do Prêmio Pulitzer. Já li melhores descrições do dia a dia durante a Ocupação. Se você não espera que sua leitura pose questões intrigantes de sobrevivência emocional ou psicológica, que cubra verdadeiras soluções éticas, estéticas, literárias ou pessoais esse livro é para você. Entretenha-se.
Está parecendo familiar com “Os últimos dias de nossos pais” de Joel Dicker, que estou lendo no momento. A segunda guerra: tema inesgotável. Os tempos atuais nos oferecem possibilidades demais, por isso a falta de paciência com textos longos. Quanto tempo, Ladyce…. Estou escrevendo um livro. Quero terminar em Dezembro. Abraços