–
–
Tipos de La Mancha, 1912
Joaquín Sorolla y Bastida (Espanha, 1863-1923)
óleo sobre tela, 513 x 513 cm
Museu Sorolla, Madri
–
–
Há horas em que a simples leitura de um trecho de romance, ou poesia, acorda alguma imagem na memória de quem trabalha com imagens o tempo todo. Isso acontece comigo e tenho certeza com quase todos os que dedicam a vida às artes visuais. Em geral, imagens acordam de um sono profundo porque a mente já entreabriu a porta, seduzida pelo texto, norteada pela beleza poética que um autor foi capaz de semear. E as ocasiões poéticas no livro que ainda leio nesse fim de semana são muitas, consequência da esplendorosa delicadeza narrativa de Alexandra Lucas Coelho. Mas como o objetivo agora não é a resenha do romance, paro aqui a análise, sabendo que essa virá quando concluída a leitura. Mas não posso deixar de registrar o trecho em que me lembrei da pintura de um dos grandes mestres espanhóis, Joaquín Sorolla y Bastida. Espero que gostem da justaposição. Um bom domingo a todos.
–
Campo Criptana
–
Planícies de oliveiras num horizonte azulíssimo. Tamanho é o frio que não se formam nuvens, será isso. Estamos a ir para Campo Criptana, desde o século XVI terra de moinhos, daqueles redondos e brancos com velas negras.
Foi aqui que Quixote os combateu. Eram 30 ou 40 contra um. Agora são dez, no cimo de uma colina, com a aldeia aos pés.
Deixamos o carro junto ao mais alto, e quando saímos é como se nos dessem um golpe na cabeça. Já estava frio, mas agora está frio com pazadas de vento. Nem na Sibéria, em dezembro, me doeu tanto.
Avançamos com os cachecóis por cima da cara e as mangas puxadas até a ponta dos dedos, a segurar caderno e caneta.
— Está ali um homem – gritas tu.
— Vamos lá – grito eu.
O homem são dois, Anastasio e Crisanto, nomes que quem-nos-dera, mesmo Cervantes chamava-lhes um figo. Um tem 75, o outro 68 e sentam-se como na praia ao poente. De tanto para aqui virem, o vento já nem lhes toca. Este é o melhor moinho de todos, dizem eles, “nem demasiado largo, nem torto.” Chama-se Burleta.
Os velhos do mar têm barcos. Os velhos de Campo Criptana têm moinhos.
–
Em: E a noite roda, Alexandra Lucas Coelho, Rio de Janeiro, Tinta da China: 2012