Dimitri Kozma (Sérvia, 1944)
técnica mista
Enclausurado é uma história de suspense. Um casal de amantes planeja um assassinato. A vítima é o ex-marido da futura assassina, e irmão de seu parceiro no crime. Há, no entanto, uma testemunha desses planos: o feto que a mulher leva na barriga, narrador da improvável história
Todos os personagens do livro são detestáveis, com exceção dele, inocente, observador e participante à revelia da trama. Este não é um feto qualquer, já teria passado no ENEM caso pudesse ter feito a prova. Ele entende de tudo, do meio ambiente ao melhor vinho. Não porque sua mãe converse com ele, como hoje mães fazem, ouvindo música clássica para o futuro bebê nascer com memória musical engendrada; falando inglês, francês ou japonês para que ao nascer a criança já conheça a estrutura verbal da língua. Não, não se trata dessas mais novas teorias aplicadas.
Trata-se ao contrário, de mãe desregrada que bebe constantemente apesar da gravidez, dando ao feto sofisticado gosto por vinhos, capaz de eleger o de que mais gosta. É um feto que aprende sobre o mundo da ecologia à genética graças aos programas de entrevistas, documentários, podcasts favoritos da mãe. Quando entediado o feto – que não tem nome – chuta a barriga da mãe no meio da noite para acordá-la e levá-la aos programas no rádio ou televisão de onde tira seus conhecimentos.
O pai, um poeta caricatural, preocupado com o amor em letras maiúsculas, não se apercebe da trama em que se vê envolvido. Mas não é uma vítima que nos toque emocionalmente. Nenhum personagem adulto é simpático. Só mesmo o feto, essa voz dominante que não consegue detestar sua mãe, ama-a, de fato, mesmo sabendo de seu mau caráter. Mas que mais poderia fazer? Sua vida depende dela. De particular senso de humor são as opiniões que o feto tem de como deveria ser educado; o que poderá vir a ser prejudicial ao seu crescimento, o que os pais não deveriam fazer.
Contando no humor, McEwan realiza um grande feito narrativo, de controle inigualável. E uma vez aceita a premissa do feto pensante, inteligente, com um rico vocabulário, não há como não simpatizarmos com esse futuro bebê. Até mesmo quando de maneira patética ele considera a fragilidade de seu próprio destino. Nossa solidariedade é engajada, desde o início e torcemos para que tudo dê certo no final, que é surpreendente e lógico. Gratificante.
Ian McEwan
É um trabalho memorável de técnica narrativa. É uma obra de pequeno porte, meras 196 páginas, de leitura fácil, descomplicada, com assuntos do dia a dia. No entanto, não deixa de ser um trabalho de um único truque, ou melhor, de uma única piada. Ou seja, limitado por sua própria estreiteza temática. Por isso, e só por isso não chega, na minha opinião, a ser tão grandioso quanto os críticos literários de renome o consideram, mesmo que aluda, aqui e ali, à obra maior, de Shakespeare: Hamlet. Não encontrei nessa obra nem a profundidade, nem o panorama filosófico tão aclamado. É um livro divertido, que nos leva a considerar o mundo por ponto de vista inusitado. Diverte. Dá para apostar que o autor se divertiu imaginando a trama. Um bom presente de Natal, para qualquer leitor.