Irmãos…

17 07 2014

 

 

Zinaida Serebryakova,Garotos, 1919Garotos, 1919

Zinaida Serebriakova (Ucrânia, 1884-1967)

óleo sobre tela

 

Dizem que não há dor maior do que a da morte de um filho. Deve ser verdade. Mas a dor de quem perde um irmão é muito grande também, porque irmãos são as nossas referências de vida. Em circunstâncias normais eles foram os cúmplices de travessuras. Além disso eles nos mostram as variadas interpretações da mesma educação, do mesmo lar, dos mesmos pais. Muitos são nossos melhores amigos, aqueles que defendemos dos outros, que aprendemos a proteger. Irmãos são aqueles com quem conseguimos nos comunicar sem trocar palavras; com quem dividimos memórias da infância; percepções sobre outros, parentes, vizinhos, amigos. São aqueles com quem implicamos e que amamos profundamente. Eles são a nossa introdução à diversidade, a opiniões, gostos, maneiras de viver diferentes das nossas.  São os únicos que se dão ao direito de nos criticar e que, por mal ou bem, ouvimos. Irmãos são aqueles que são sempre chamados pelo nome do outro, quando os pais se confundem; são também aqueles a quem nomeamos quando algo mal feito foi descoberto: “Foi o … [fulano], não fui eu…” Irmãos são aqueles seres com quem sempre podemos ser crianças, descer às familiares brincadeiras, as mais primárias, sem perdermos o respeito, mesmo depois de adultos. São em muitos casos as pessoas em quem mais confiamos, para quem fazemos sacrifícios muitas vezes heroicos, cujas mortes ou desaparecimentos mais nos ferem.

Esta semana meu cunhado faleceu. Ele era o único irmão, o mais velho, de meu marido. Tendo perdido meu irmão caçula há 11 anos, sei bem o deserto referencial que envolverá meu cara metade. Não importa a diferença de idades, não importa posturas políticas opostas, diferentes gostos no esporte, nos amigos, na maneira de viver, de rir, de chorar, do prazer no trabalho às escolhas amorosas. Não importa se um é conservador e o outro liberal, se um é religioso e o outro é ateu, a perda é muito maior do que se imagina. A cortina cai em um mundo inteiro de referências que formam a essência da nossa identidade. Ninguém mais poderá sorrir com olhos, silenciosamente, em uma reunião familiar quando alguém lembrar das piadas do tio caduca ou das manias do pai que reaparecem nos netos. Foram-se os momentos de reconhecimento da mãe refletida no irmão ou os relâmpagos de compreensão a nível mais profundo do que os amigos podem desconfiar. Acabou-se o conforto de que só os que se conhecem a vida inteira conseguem usufruir. Não haverá mais o cúmplice, o parceiro, o amigo. Conheço bem esse deserto. Por todas essas perdas sinto por meu marido. Sinto muito.

Esse relacionamento entre irmãos, descrito acima, pode não existir. Não é a realidade para todas as famílias. Cada um de nós conhece alguém que não se dá com seus irmãos. Sabemos de brigas, de traição, ciúmes e inveja entre membros da mesma família. A história mais antiga da natureza humana, Caim e Abel, exemplifica essa situação. Mas não é a norma, nem é inevitável. Ainda bem que meu marido e seu irmão puderam usufruir de um relacionamento equilibrado, de respeito mútuo, verdadeiramente fraterno. O falecimento de um deixa um vácuo imenso na vida do outro. Só o tempo acalmará a dor da perda.

©Ladyce West, Rio de Janeiro: 2014